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domingo, 18 de março de 2012

Um piso baixo em plena década de 30!

Yellow Coach Model 720 / 735





 Introdução:

Motor transversal localizado na traseira, piso baixo e câmbio automático são características de um ônibus moderno nos dias atuais, certo ? Errado. Há quase 80 anos atrás, a Yellow Coach lançava o protótipo 706 com os itens acima, mais tarde conhecido por Queen Mary, nas ruas da Chicago . No texto abaixo (graças à informações extraídas de imagens de documentos originais) falaremos sobre este modelo pouco citado até mesmo na busologia norte americana.

O início :





No início da década de 30, a Chicago Company, uma das empresas que administravam o transporte público em Chicago percebeu que algumas linhas já estavam operando com a capacidade máxima, mas que o fluxo de passageiros era bastante variado durante o percurso.

Para sanar o problema ,a empresa resolveu desenvolver um projeto de um veículo que otimizasse o transporte massivo de passageiros nessas áreas, mas que ao mesmo tempo não tivesse custos tão dispendiosos. Entre várias alternativas, a mais realista era a criação de um modelo com dois andares, pois no segundo andar ficariam as pessoas que 'moravam mais longe', deixando o primeiro livre para aqueles que não precisavam ficar muito tempo dentro de um ônibus. Outro motivo ainda mais latente para essa opção era o fato da Fifth Avenue Company, que pertencia ao mesmo grupo da Chicago Company, ter ônibus com dois andares em sua frota e esta era a chance de modernizá-la.

Nesse caso o projeto seria simples se não fossem dois problemas: a altura máxima do ônibus uma vez que a cidade não era estruturalmente preparada, como Londres, para receber veículos com altura elevada; e a posição do motor, pois os motoristas já vinham reclamando dos 'front end' com motor dianteiro cujo ruído e odor desagradável afetavam bastante a sua saúde .

Então devido a confiança e pequenos laços econômicos, a Yellow Coach foi a escolhida para estes desafios, até porque, esta, tinha em seu catálogo um dos ônibus mais modernos dos E.U.A naquele momento .

Como estavam diante de um projeto pioneiro, eles reforçaram a plataforma do Yellow Coach 705/708, para suportar o peso de um modelo com dois andares, e rebaixou o piso. Mas a altura do primeiro salão não agradou os diretores da New York Corporation pois um adulto comum teria de andar com o corpo curvado se a Yellow construísse um modelo com altura total de 4 metros. Foi nesse momento que um dos engenheiros teve a ideia de montar uma armação em forma de 'caixa' onde várias cantoneiras seriam soldadas nas laterais e nas arestas para evitar o uso de plataforma -com a caixa 'oca' não haveria necessidade de um degrau, mas para evitar torções nessa estrutura, esta seria prenchida por chapas mais leves de duralumínio .




O novo protótipo batizado de 706 chegou rápido às ruas, porém inúmeras intervenções seriam necessárias à um custo de US$200000. Grande parte desse valor deve-se a muitos testes feitos nos protótipos sendo que os primeiros foram completamente desmanchados por causa de sua altura incoveniente.

Motoristas e passageiros também foram consultados além do normal, em relação à outros projetos da Yellow, de modo que isto também poderia ter contribuído consideravelmente para esse valor. Mas o modelo, com versão definitiva, após dois anos de testes, agora chamado de 720 superou de forma tão positiva às expectativas de ambas as partes (cliente e fabricante) em termos de durabilidade e conforto de modo, que o valor gasto foi usado como propaganda pela Chicago Company.





Características do Queen Mary:

Embora os veículos não tivessem nada de econômico, eles eram modernos e confortáveis para sua época, mesmo preservando o design do momento (herdado do modelo 705) com parabrisa minúsculo e muitas janelas quadradas de tamanho médio nas laterais.





A carroceria, era auto-sustentável (monobloco) onde a armação de aço em forma de 'caixa oca' era preenchida por chapas de alumínio. O objetivo deste tipo de contrução era reduzir o piso ao máximo que a tecnologia da época permitia, a fim de também reduzir sua altura total que no caso foi de 3,95 metros.

Entretanto mesmo o modelo sendo sem degrau ou seja um piso baixo, a altura dele era de 42 cm, de modo que se o motorista não parasse próximo a uma calçada, um velhinho não embarcaria confortavelmente (essa situação é hilária para um 'piso baixo', mas era o melhor
que tinha na década de 30). No caso do 'desembarque feito pela porta de trás', foi aconselhado um pequeno degrau abaixo do piso para evitar acidentes.

O motor de 11,59 litros (165 cv/2000rpm) foi montado transversalmente na traseira dispensando o cofre interno no salão de passageiros, amenizando ruídos e evitando odores misturado à fumaça. Apesar de eficiente, este sedento movido à gasolina fazia metros por litro graças a transmissão automática Banker chamada Mono-Drive, mas esse era o preço a ser pago pelo conforto dado à motoristas e passageiros. Futuramente 25 unidades teriam novos motores à diesel de 11 litros e 160 cv, que seriam mais econômicos. Algumas unidades do modelo 735 chegaram a ter conversor de torque mais robusto da Spicer no lugar da embreagem automática. Para suportar esse peso, molas semi elípticas mais fortes foram instaladas no eixo traseiro, enquanto no dianteiro recebeu reforço de molas calçadas por borrachas para amenizar o impacto da força elástica.





Já o design, como já citado, foi externamente parecido com os modelos da época, mas as extremidadades eram mais arqueadas. Internamente, as mudanças mais sensíveis foram o painel do motorista (um pouco mais moderno em relação aos outros da Yellow cujo ponteiro mostrava "S, 1, 2 e 3" de acordo com a velocidade selecionada automaticamente) a alavanca seletora para 'frente e ré' e outra para starting/ 'segura velocidade'. a iluminação lateral para os passageiros leitores de livros . Por último, tínhamos a confortável altura no primeiro salão que era de 1,92m, quase a mesma de um ônibus 'single deck' da época (graças ao piso baixo e a altura reduzida no segundo salão ), enquanto nos modelos londrinos e alemães isto seria impossível de ser projetado.





Mas a caracteristica mais importante que foi o motivo do projeto, não podemos nos esquecer : o transporte massivo. Os bancos tinham 'pega-mãos' nas laterais mas curiosamente não
haviam no teto corrimãos centrais e argolas; a primeira porta era larga; e para evitar acidentes, uma escada larga estava disponíveis para quem quisesse acessar o segundo andar. Este por sua vez teve uma altura bem reduzida (1,63m), de modo que muitos adultos não poderiam ficar de pé sem se curvar. Esse incômodo forçava-os a se concentrar no primeiro andar e consequentemente a maior parte do peso no primeiro, ajudava na estabilidade e segurança para manobras rápidas semelhantes à de um ônibus 'single deck'.






No entanto para a versão da Fifht Avenue os bancos não tiveram 'pega-mãos'. Já a quantidade de passageiros sentados foi de 73 pessoas. Ao todo 110 pessoas poderiam ser transportadas por cada veículo e por isso o seu papel de transporte massivo e turístico foi satisfatório.

A transmissão automática Banker:

A transmissão automática Banker consiste em uma caixa com engrenagens planetárias e uma embreagem automática, ambas acionados de acordo com a rotação do motor.
Ela foi desenvolvida por Oscar Banker e embora outros engenheiros já tivessem projetados embreagens automáticas, a dele foi a mais perfeita para veículos pesados.
O seu funcionamento é simples e totalmente mecânico sem o auxílio hidráulico, elétrico, ou pneumático sendo que o único controle é uma alavanca no painel que possui 3 posições (Foward, Reverse e Starting).





A razão não ter a posição 'Neutre' é apenas consequência da embreagem automática. Ela possui três peças que parecem 'fatias circulares' chamadas de pesos que são estabilizadas com pinças e presas por molas helicoidais. Quando a rotação do motor é baixa, esses pesos ficam recolhidos próximos ao eixo da embreagem de forma que ela 'não toca' no volante do motor. Assim que o motorista pisa no acelarador a embreagem começa a girar , porém entre 400 e 800RPm os pesos vão se expandindo para a borda de modo que ela é engatada progressivamente evitando arrancadas desajeitadas e indesejáveis por parte do motorista.

Com o ônibus parado, a posição da caixa é a primeira velocidade. Para mudar para a segunda e terceira velocidades , o motorista tem duas opções: ou ele tira o pé do acelerador momentaneamente e o aciona de novo para a troca imediata ('com leve atraso'), ou ele só permanece com o pé no acelerador até atingir a velocidade desejada. Quando o veículo está parando as velocidades retornam da terceira para a primeira até que o motor tenha rotação menor que 800Rpm e a embreagem esteja desengatada.

A engrenagem planetária do sistema Banker consite em uma engrenagem principal chamada de 'sol' onde ao redor ficam engrenagens menores que giram sobre ele chamadas de 'planetas'. No entanto os sóis com seus respectivos planetas também giram entre si. Este sistema simples (mas de montagem delicada) garante 3 combinações de velocidades cuja troca só pode ocorrer em determinadas rotações. É dele que surge a transmissão automática por rotação, dispensando a troca de velocidades por meio de acionamento por alavanca e pedal de embreagem.
A alavanca forward e reverse ,são 'frente e ré', enquanto a starting signinica sistema 'desengrenado' pois o forward faz com que a embreagem esteja engatada ao volante do motor.

Considerações finais:

O Modelo 720 foi lançado com honra e pompa em 1936 quando saíram os primeiros modelos da Yellow Coach. Á princípio os primeiros foram para a Chicago Company mas logo a Fifth Avenue também receberia dezenas de exemplares.
Em ambas empresas a sua recepção foi positiva e o custo do seu desenvolvimento foi bastante ressaltado como propaganda dando a entender que os passageiros tinham uma grande valor para a corporação.





Ele era moderno e bem diferente de qualquer ônibus visto nas cidades em que circulou. Além de não ter degrau, era um ônibus confortável com poucos solavancos e rodava em quase todos os lugares mesmo sendo um modelo com dois andares. O segundo andar era o local preferido das crinças pois devido a baixa altura do mesmo, elas se sentiam como adultas e se divertiam com isso. Outro diferencial era o ruído do motor que no caso era mais cadenciado por causa da transmissão automática e por isso de longe muitos já sabiam que era o '720' que estava chegando.

O mais interessante no entanto foi a forma de como suas qualidades foram ressaltadas em 1936. Se o modelo 720 fosse lançado hoje , a primeira coisa que pensaríamos era na acessibilidade para pessoas com limitações. Mas, naquela época se falava da facilidade de entrar com a noiva por exemplo... Em outra propaganda dizia que as donzelas deviam dar preferência para o 'Queen Mary' pois ele não sacolejava á ponto de atrapalhá-la a ler sua novela . Ainda havia uma revista boca suja dizendo que o 'Queen Mary' não deixava os rapazes admirarem as curvas de uma mulher ao subir um degrau de ônibus, mas em nenhum momento, até mesmo o projeto do 720 , ressaltou a acessibilidade para as pessoas especiais.

No entanto apenas entusiasmo e admiração não geram lucros e por isso a sua produção cessou em 1938. O preço era alto demais e só a New York Corporation (dona da Chicago e Fifth) que chegou a adquirí-los. Mas ainda tivemos uma última variação denominda Yellow Coach 735 com o segundo andar mais alto e conversor de torque Spice no lugar da embreagem automática. Ao todo foram construídas 300 unidades.





Apesar da manutenção onerosa e falta de mecânicos para lidar com a transmissão Banker, os veículos tinham peças de qualidade e duraram mais de 25 anos sendo que alguns seriam convertidos à diesel depois da Segunda Guerra Mundial enquanto outros seriam reconstruídos e rodariam até a década de 70 como ônibus turístico. Contudo independente de sua história algo é fato : a Yellow antecipou conceitos que só seriam aplicados popularmente, de novo, 60 anos depois.